A segunda semana da 17ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (entre 6 e 10 de junho de 2011) concentrou uma diversidade de atividades, temas de debate, culturas e pontos de vistas, com o desafio maior de se buscar caminhos possíveis para promover e assegurar direitos em diferentes áreas. O meu desafio maior foi entender esta complexa arena política, na tentativa de participar, sobretudo, dos debates associados à defesa das mulheres, ao combate a formas de discriminação baseadas em orientação sexual e identidade de gênero e ao reconhecimento do direito ao acesso à internet e à liberdade de expressão, percebendo as dinâmicas dos países, em especial do Brasil neste contexto.


E se os tratados internacionais e os tantos marcos legais nacionais nos mobilizam a reivindicar a garantia dos direitos humanos na certeza de que devem ser efetivados a todas e todos, tensões e dissonâncias observadas nestes dias que acompanhei evidenciam que ainda temos pela frente um árduo caminho. Os muitos interesses, valores e perspectivas em jogo precisam ser transpostos para, na prática, vermos avanços na efetivação de direitos.


Ter ficado mais esta semana, após a minha participação no inovador painel organizado pela Associação para os Progressos das Comunicações (APC) com o tema Direito à internet são direitos humanos, no dia 3 de junho de 2011, foi uma experiência incrível. Nos temas especialmente observados e, sem sombra de dúvidas, também nos demais, muitas águas ainda vão rolar até que essa 17ª sessão, iniciada em 30 de maio e a ser finalizada em 17 de junho, encerre suas atividades.


Não estarei mais aqui para acompanhar a conclusão sobre algumas resoluções em elaboração, mas, enquanto isso, compartilho a seguir breves considerações e impressões a partir dos painéis, consultas informais, plenárias principais, entre outros momentos que observei nesta segunda semana.


Internet e liberdade de expressão


O painel realizado pela APC no dia 3 de junho e a própria participação de um número expressivo de pessoas demonstraram que, embora recentemente explorados neste espaço, debates sobre liberdade de expressão na internet e acesso às novas tecnologias de comunicação e informação prometem se intensificar. A visibilidade decorrente do relatório apresentado pelo relator especial para liberdade de expressão e opinião, Frank La Rue, apontando denúncias de cerceamento da liberdade de expressão e com recomendações aos países para que assegurem proteção ao direito à privacidade e à liberdade, somada ao importante papel das TICs nos processos contemporâneos de reivindicação de direitos humanos, certamente, interferirão na dinâmica deste conselho.


Outras atividades com este viés observadas foram uma reunião restrita aos estados para elaboração de uma declaração sobre liberdade de expressão na internet, puxada pela missão sueca, no dia 6 de junho, e também um painel organizado pela missão norte-americana, em 9 de junho, com o tema “A voz humana da liberdade: a internet e direitos humanos”. No caso da segunda, a proposta dos EUA foi reunir diferentes ativistas que vêm usando, em seus respectivos países, a internet e outras TIC como ferramentas estratégicas para denunciar impunidades e violações de direitos humanos, ou ainda, a falta de acesso e restrições de uso, por conta de medidas de censura e controle adotadas por governos. Ativistas, jornalistas e blogueiros da Coréia do Norte, Uganda, China, Indonésia, Burma e Azerbaijão deram o seu recado, além de acadêmicos e representantes do governo norte-americano.


Os relatos de cada painelista foram, de fato, impactantes e dados apresentados só reforçaram a urgência em trazer este tema para o centro das discussões de direitos humanos. Mas, digamos que a dinâmica do encontro, ainda que com o uso de recursos como transmissão via Skype de alguns participantes, não favoreceu muito a interação da platéia com os painelistas e, pelo grande número de apresentações, o tempo para manifestações e perguntas do público foi restrito. Destacaria, de todo modo, os depoimentos de Kwan Eun Kyoung e de Wen Yunchao, respectivamente da Coréia do Norte e do Japão, sobre a dificuldade de acesso e ações repressivas do governo a algumas práticas na internet e em outros meios de comunicação, bem como a fala de Rosebell Kagamire, falando da importância de redes sociais e blogs no contexto de defesa dos direitos das mulheres em seu país.


Como bem disse uma acadêmica norte-americana também painelista, as revoluções que estamos vendo em diferentes contextos políticos e culturais, não é das tecnologias em si. Não é do Facebook, muito menos do Twitter, mas da criatividade das pessoas na apropriação das TIC. E, para não ficar mal na fita, ainda tivemos uma intervenção desastrosa de representante do governo chinês, desmentindo as declarações de Yunchao e afirmando que na China a internet é livre e aberta, conforme os parâmetros internacionais de governança. Ainda bem que as denúncias que nos chegam de diferentes fontes não deixam o jovem chinês mentir.


Não violação de direitos das mulheres


Com a temática dos direitos das mulheres, a principal atividade foi a plenária de 10 de junho, o dia anual de discussão sobre direitos das mulheres, onde tive a oportunidade de ler, em nome da APC, uma declaração chamando a atenção para as ameaças à liberdade de expressão de mulheres e formas de violência na internet e como isso impacta nos direitos das mulheres. Também acompanhei outras duas atividades diretas sobre esta temática e uma terceira que imaginei, inicialmente, que teria alguma relação, mas, infelizmente, não foi o caso. Participei do painel “Múltiplas dimensões da igualdade para mulheres”, realizado pela Asia Pacific Forum on Women, Law and Development (APWLD) no dia 6 de junho, onde foram apresentados dados pesquisas de sobre violação de direitos da mulheres em países asiáticos e também na América Latina, bem como mecanismos da ONU de defesa de direitos humanos que podem ser aliados no combate à violência contra a mulher.


A prova de que a questão da violência contra a mulher por meio do uso das TICs e do acesso a tais recursos para seu empoderamento e defesa de direitos precisa ser aprofundada está na resposta dada por representante do grupo de trabalho sobre violência contra a mulher. Na ocasião, falei brevemente da pesquisa EroTICs e perguntei a tal representante sobre como o grupo de trabalho em questão tem tratado desta temática da violência no contexto da internet e ela, então, fez referência ao relatório de Frank La Rue para explicitar a importância e o interesse no tema, mas sem muitos aprofundamentos. Ou seja, a APC e o programa de mulheres podem ser estratégicos para ampliar esta discussão.


Outro processo em curso nesta sessão do Conselho de Direitos Humanos é a elaboração de uma resolução sobre eliminação de violência contra a mulher, idealizada pela missão canadense. Estão acontecendo reuniões abertas chamadas de consultas informais para debater o tema, com a participação de representantes de estados e também da sociedade civil para a construção de tal documento. E as discussões sobre o conteúdo e formato do texto têm sido bastante delicadas e polêmicas. Acompanhei duas destas consultas, em 7 e 8 de junho, e alguns países têm sido resistentes, por exemplo, à proposta de incluir no texto especificações quanto a grupos de mulheres mais vulneráveis a situações de violência, como no caso de mulheres lésbicas e transexuais. Este é apenas um dos pontos controversos e, embora com apoio majoritário dos países, a missão canadense tem um grande desafio pela frente até o final da 17ª sessão, sobretudo com as reações conservadoras de países como Rússia, Egito, Paquistão, Argélia, entre outros a tais aspectos associados ao não reconhecimento da diversidade sexual das mulheres.


Por fim, também participei do painel “Esforços conjuntos para alcançar a proteção de pessoas traficadas”, realizada em 7 de junho, pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, na expectativa de ouvir algo sobre o tráfico de mulheres, mas, infelizmente, nada foi falado. As apresentações se concentraram mais em práticas de algumas instituições para a proteção e integração de pessoas vítimas de tráfico humano e também no que algumas agências da ONU, como de refugiados, trabalhos, drogas e crimes e de crianças, têm lidado com esta temática. Estranhei, neste caso, a ausência de representante da ONU Mulher, sobretudo pela evidência de tráfico de pessoas associado ao trabalho sexual de mulheres.


Não discriminação com base em identidade de gênero e orientação sexual


A Resolução proposta pelo governo sul-africano associada à não discriminação com base em orientação e identidade de gênero foi discutida em dois momentos essa semana, em reunião aberta a governos e sociedade civil, que aconteceram nos dias 7 e 9 de junho. Foi, certamente, um dos debates mais polêmicos nesta segunda semana, ao mesmo tempo em que pode representar possíveis avanços para o tratamento destas questões a partir do viés dos direitos humanos. De um lado, a proposta sul-africana defendia, entre outras questões, a criação de um grupo de trabalho específico dentro do Conselho de Direitos Humanos para tratar de aspectos em torno da orientação sexual e da identidade de gênero.


Do outro, ativistas LGBT e pelos direitos das mulheres demonstravam preocupação com algumas ações previstas para tal órgão, como conceituação de orientação sexual, por exemplo, além de apresentarem críticas à formação estritamente intergovernamental, de forma que, inicialmente, sugeriram que, em vez de se criar um outro mecanismo no Conselho para tal pauta, que tão somente se pusessem se aplicassem para o combate à discriminação neste sentido os tantos outros marcos de direitos humanos existentes. No mais, sinalizaram receio com a possibilidade de centralização do tratamento de casos com este recorte apenas neste grupo de trabalho, se que houvesse uma tranversalidade com outros setores. Este debate ainda terá muitos capítulos até o fechamento da sessão e a elaboração da versão final da resolução.


Vale dizer que alguns governos sinalizaram preocupação com o texto, propondo alterações e, ao mesmo tempo, apoiando a iniciativa sul-africana de pautar esta discussão no conselho e reconhecendo a urgência de tomarem medidas eficazes. Da mesma forma, outros governos pontuaram ressalvas quanto à resolução, apresentando resistência e precauções, como, mais uma vez, foi o caso da Rússia e do Egito. Por conseguinte, a África do Sul demonstrou uma flexibilidade em negociar e seguir com a revisão do conteúdo. Nestas horas, é possível entender a insistência em haver pelo mundo tantas manifestações de intolerância e violação de direitos de pessoas LGBT, a começar por esta postura de não reconhecimento de que se trata de uma discussão urgente por alguns estados.


Ainda sobre orientação sexual e identidade de gênero, vale dizer que, durante algumas sessões da Revisão Periódica Universal, alguns países pontuaram ações voltadas ao combate à discriminação neste contexto, bem como foram feitas denúncias por parte da sociedade civil nessas plenárias sobre ações de intolerância praticadas inclusive pelos governos. E, também com esta temática, foi realizado, no dia 7 de junho, um painel pela Federação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA-LAC), juntamente com a missão da Bélgica, Arc Internacional. COC Holanda e prefeitura de Genebra com o título “Violação de direitos humanos com base em orientação sexual e identidade de gênero”, reunindo ativistas de Uganda, África do Sul e redes globais, assim como do poder público para, respectivamente, falarem dos desafios para o pleno reconhecimento de direitos da população LGBT e políticas governamentais implementadas.


Outros campos observados - pessoas com deficiência e o Brasil no Conselho


Também de forma incisiva e constante, foram apresentadas no Conselho de Direitos Humanos reivindicações acerca do direito das pessoas com deficiência, sobretudo por representantes da International Disability Alliance (IDA). Este é um tema que também milito e o qual resolvi estudar mais afundo, sobretudo no que diz respeito à garantia de acesso ao direito à comunicação e informação de pessoas com deficiência no contexto da saúde sexual e reprodutiva. E foi possível identificar, seja nas declarações apresentadas pela APC, seja por outras representatividades, uma fala de reconhecimento de pessoas com deficiência como sujeitos de direito, de forma que o papel da própria ONU, com o lançamento, em 2006, da Convenção de Direitos Humanos de 2006, tem sido fundamental, cabendo a formulação de mecanismos de fiscalização quanto à efetivação das normas nos países signatários, como o Brasil.


Inevitavelmente, a cada sessão e atividade, a pergunta que não calava era: e o meu país, o Brasil, nesta história toda? Como vem se posicionando frente aos temas que estou acompanhando? Diria que, de tudo que vi e ouvi, ficou evidente o papel estratégico do Brasil nos debates e proposições, o que certamente tem a ver com a posição que o país vem ocupando no cenário geopolítico nos últimos anos. Ao mesmo tempo, diria que me surpreendi com a posição adotada em relação a alguns temas no Conselho, não necessariamente em sintonia com o que, de fato, temos vivenciado em nosso país, por exemplo, no que diz respeito a medidas de combate à homofobia. O governo brasileiro acaba de cometer um dos maiores retrocessos neste início de gestão da presidenta Dilma Rousseff, ao voltar atrás quanto à decisão de lançamento de material a ser disseminado nas escolas para sensibilizar e conscientizar sobre a necessidade de combater práticas homofóbicas nos espaços de ensino. No entanto – e o que é positivo –, nas negociações da resolução sul-africana, o país tem apresentado uma postura pró-ativa no reconhecimento desta agenda da não discriminação com base em orientação sexual como fundamental para a não violação de direitos hunmanos.


Por fim, encerro o meu panorama desta segunda semana da 17ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU reiterando meu agradecimento à APC pela oportunidade de participar de debates tão diversos e intensos. Tantos outros temas foram discutidos e seguirão na agenda da última semana. Tantas novas negociações ainda estão por vir nos próximos dias e fica a expectativa de que as vozes em defesa dos direitos humanos sejam, de fato, ouvidas e os direitos assegurados.


Resta-nos, então, acompanhar as cenas dos próximos capítulos.

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