Entrevista con Heloisa Buarque de Almeida, antropóloga, investigadora en las temáticas de medios y género, profesora de la Facultad de Ciencias Sociales de la USP-SP).


1. Como a senhora define violência contra a mulher?


2. Como a senhora vê a violência contra a mulher no Brasil de hoje?


3. Qual o conhecimento que a senhora tem sobre TICs em relação à violência contra a mulher?


4. A senhora considera que as TICs podem contribuir para criar um ambiente favorável à violência contra a mulher? Se sim, em que medida?


5. A senhora considera que as TICs podem contribuir para o enfrentamento da violência contra a mulher? Se sim, em que medida?


6. Que papel considera que cumpre a mídia (em peças publicitárias, conteúdos jornalísticos e de entretenimento) na problemática da violência contra as mulheres?


7. Quais recomendações faria ao governo brasileiro sobre essa questão (violência contra mulheres e TICs)?


Meios de comunicação veiculam, podem ser canais para a disseminação dos preconceitos, conteúdos machistas, preconceituosos, racistas, programas de humor, com piadinhas sobre “gays”. Na internet também, há muitos sites que veiculam conteúdos preconceituosos. É importante notar que tais veiculações não criam uma violência a mais, para além do que já existe nessa sociedade, embora eles sirvam para repetir ou reforçar certos estereótipos. A TV reforça a idéia de que as mulheres devem ser lindas, objeto sexual, reforçam preconceitos raciais, mas isso não está além do que já acontece em nossa sociedade.


No entanto, a mídia também não é simples reflexo da sociedade porque ela, ao final, escolhe o que veicular, a grande mídia comercial, por exemplo, não veicula coisas muito alternativas, não há espaços ou há pouco espaço para discursos dissonantes.


A internet tem uma particularidade. A internet tem maiores possibilidades de combater a Violência contra a Mulher do que a grande mídia comercial. Mas há que se considerar que nem todos têm acesso à internet. Classes mais baixas têm acesso na escola, no trabalho, na lan house, espaços culturais, há um recorte de classe bem significativo para ter internet e computador em casa. Mas de fato para quem tem certo nível educacional e tem acesso à internet, ela pode ser uma boa fonte de informações. Por exemplo, se você quer descobrir onde encontrar centros de atendimento para violência, a internet permite maior acesso à informação e nesse sentido talvez ela possa promover certo combate contra o preconceito, a violência. Lendo o recorte de classe, há também um corte etário, há mais pessoas jovens usando essa mídia, saber quem está fazendo isso é importante. Nesse aspecto é importante saber quem está usando, com recorte de classe, idade e conhecimento de uso dessa ferramenta.


As pessoas buscam muita ajuda antes de chegar à delegacia. Então ter sites que indiquem caminhos, que mostrem as leis, isso será um recurso bastante usado. Às vezes as mulheres não querem que o marido seja preso, mas buscam ajuda e nesse sentido a internet pode ser extremamente útil. Embora seja preciso ter sempre atenção à limitação da internet, é possível dizer que para pessoas de classe média e classe média alta a internet tornou-se uma fonte de informação importante.


A internet também veicula conteúdos violentos, opressivos, preconceituosos. A mídia não cria nem estimula a violência, normalmente ela pode favorecer certos estereótipos, certas violências, as diversas mídias reproduzem experiências que as pessoas vivem nessa sociedade. A violência está em todos os lugares e a mídia reflete isso. Especificamente a VCM (companheiro que bate, ameaça, aterroriza). Acho que as mídias fazem pouco para mudar esse quadro, mas a não criam isso.


A mídia apresenta as construções de gênero com um enfoque de muita violência, no sentido da criação de preconceitos e estereótipos (“Loira burra”, “mulher que gosta de apanhar”, “a bichinha” que merece ser oprimida e ridicularizada”) então nesse sentido a mídia é parte dessa violência de gênero na sociedade.


O retrato da violência doméstica nas novelas não surge de forma politizada. Então o tema, quando aparece nas novelas, é mostrado como um homem que é um “louco”, “psicopata” e bate em uma mulher que é uma vítima. Mas a questão não é politizada e nem mostrada como uma situação que é, na verdade, bastante comum e que atinge não apenas pessoas “loucas” e “psicopatas”. Agora, o que acontece, provavelmente, é que há um estereótipo social para os homens que os autoriza a se sentirem na posse de suas mulheres, no sentido de que eles podem bater nelas quando estão nervosos e de que isso é aceitável, “porque estão com a cabeça quente”, em uma situação de resolução de conflitos. Nessa situação, a mulher aparece em um lugar de vítima sem saída, ela não surge como uma pessoa que tem direitos, que essa é uma situação que acomete outras mulheres etc.


Há uma valorização da masculinidade, que é de uma masculinidade violenta. A masculinidade hegemônica é violenta (filmes de holywood), promove-se a idéia de uma masculinidade viril identificada com a violência. Promoção não apenas de estereótipos femininos ou de gay, mas de masculino. Esse tipo de estereótipo de masculinidade surge mais em filmes desse tipo do que em novelas, mas é ainda um discurso que permeia os conteúdos de mídia de forma recorrente.


No “Caso Eloá”, muito veiculado pela mídia, pouco se discutiu o fato de já ser uma relação violenta. Nessas situações de violência é difícil que a mulher seja tratada como sujeito de direitos, isso que é incômodo. E no caso, há um discurso familista, que sempre promove alguém perder direitos, “vamos manter a família a qualquer custo”, esse discurso tende a ocultar os conflitos e as violências que surgem na família e em geral quem sai perdendo é a mulher.


Sobre publicidade: a publicidade opera muito com a coisa do desejo, sexualiza muito a mulher, as crianças, as figuras femininas. Para promover um produto opera na lógica do desejo. Tem uma lógica um pouco particular e às vezes usa o preconceito deslavadamente, mas é menos direto. Na vertente da cultura brasileira, explora-se a idéia da “mulata sensual” e as mulheres negras são retratadas como hipersexualizadas. O retrato da mulher negra no Brasil em geral é aquela que “mostra o peito”, “mostra a bunda”, “está louca para dar”, com uma sexualidade animalesca e então reforça um preconceito horroroso. Durante muito tempo havia a “globeleza”, uma mulata nua que aparecia em épocas de carnaval, reforçando este estereótipo.


Há muitos preconceitos nos programas de outras emissoras, para além da Globo, que exploram sentimentos e humilham os participantes, exploram o sofrimento e a ignorância das pessoas.


Na TV em geral, novelas etc., há um apelo de sexualização exagerado, não é à toa que há discursos super moralizantes. Mas isso é um pouco traço da sociedade brasileira, essa valorização da sexualidade etc. e concomitantemente discursos conservadores que buscam estabelecer uma oposição entre essa sexualidade mais “animalesca” e a sexualidade “desejada” ou moralmente ideal.


É também uma forma de se estabelecer ou reforçar códigos de conduta de uma sociedade. Nesse sentido, pode-se dizer que a própria construção dos estereótipos já é uma violência simbólica. Valorizar esse estereótipo de masculinidade é também uma violência contra os homens, porque a maioria dos homens não se enquadra neste perfil. Então isso gera uma frustração muito grande.


Um pouco da violência doméstica vem do sentimento de frustração de não dar conta de cumprir com esse padrão de masculinidade hegemônica. Então não se consegue falar de violência contra a mulher sem falar da violência simbólica, da violência de gênero, são muitas as causas, não há uma causa e um efeito. Mas de fato, o sentimento de não cumprir com esse papel hegemônico de masculinidade gera muita frustração e daí o homem segue para esse lugar de violência onde ele se sente mais seguro, buscando a resolução dos conflitos de modo violento.

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